O modo de agir dos pais

A caneca encoberta por uma fina camada de gelo tilintava no congelador, esperando a chegada do dono, que adora beber cerveja em um copo tão gelado quanto a própria bebida.
ao lado da caneca, um recipiente de plástico cheio de sorvete aguardava o chamado de uma garotinha que, mais cedo ou mais tarde, reivindicaria a guloseima após o jantar.
Hora da sobremesa. Eu abri o congelador e puxei o pote de sorvete pela alça. A caneca congelada foi içada junto e, num malabarismo desengonçado, consegui segurar o pote e a caneca ao mesmo tempo. Após parabenizar a mim mesma pela proeza, fiquei bastante aborrecida com meu marido.
"Você chegou a pensar na maneira que colocou aquela caneca no congelador?", disparei. E se tivesse sido nossa filha que retirasse o sorvete de lá? Teríamos pedaços de vidro espalhado por toda a cozinha! ela poderia ter se machucado!"
"Mas isso não aconteceu. Sabe por quê? Você sempre tira o sorvete pra ela. E você sabe que tem uma caneca ali, logo ao lado. Não achei que isso seria um problema, mas de qualquer maneira, não deveria ter colocado o copo tão próximo ao sorvete. Desculpe, serei mais cuidadoso."
Encabulada, admiti que ele estava certo. Eu podia ver a caneca no congelador; geralmente a vejo. E toda a situação foi uma tempestade em copo d'água. Mas, puxa vida, eu sou uma mãe. Mães geralmente já vêm com um manual intitulado "E se"?  E eu sou uma expert  nesse assunto. No entanto, reparei, durante meus anos de maternidade, que os pais seguem menos as regras desse manual. Eles costumam pensar de maneira um pouco diferente.
Meu marido, por exemplo, não reflete sobre cada configuração do combo "caneca congelada/pote de sorvete" no congelador, tampouco prevê cada acidente possível que pode ocorrer à nossa caçula. Ele não entra em pânico cada vez que nossas filhas adolescentes viajam. Ele não desencoraja nossa menina de 10 anos a subir o morro de bicicleta, nem se atormenta com o fato de que as crianças esqueceram de passar o protetor solar antes de dar a última pedalada no parque. Ele não fica acordado até às 3h da manhã, preocupado com o futuro dos filhos.
Isso significa que ele as ame menos do que eu? Claro que não. só quer dizer que ele zela por elas de maneira diferente. O amor paterno parece um pouco mais "confuso", um pouco menos calculista. Há mais liberdade e menos preocupação.
Em nossa casa, esse cenário surgiu cedo. Meu marido adorava "brincar de aviãozinho" com as garotas, jogá-las para cima e pegá-las alegremente. elas adoravam, obviamente. eu temia, mas depois relaxava e sorria. Ele guiava os carrinhos de bebê como se fossem carros de Fórmula 1. "Mais rápido, papai!", gritavam as crianças. eu engolia as palavras, relevava e corria para alcançá-los. Durante as viagens, ele fazia o carro "dançar". As meninas vibravam. Quando ele achou que elas estavam prontas para andar de bicicleta, soltou o guidão, embora eu ainda não achasse que elas pudessem se manter equilibradas. ainda assim, elas se mantiveram de pé, felizes e triunfantes. Eu ri - depois chorei - e o agradeci por ensiná-las a segui r em frente sem olhar para trás.
Durante nove meses, minhas filhas permaneceram em meu ventre, quentinhas, seguras e próximas de mim. E ainda que saiba que da impossibilidade de que as coisas sejam iguais, quero mantê-las tão perto quanto antes. Quero criá-las no paraíso, um lugar perfeito, onde possa deixá-las soltas sem medo ou preocupação, certa de que nenhum mal lhes ocorrerá.
Mas os pais sabem que o mundo não funciona dessa maneira, não deste lado do paraíso. As crianças saem do ventre, seguem seu rumo, gritam para a vida: "Mais rápido!". Nosso mundo não é perfeito, nem sempre seguro ou agradável; algumas vezes, copos de vidro se escondem atrás de potes de sorvete. Sim, eles podem quebrar. E quando isso acontece, meu marido ajuda a limpar a bagunça. Assim, lembro-me de ser grata pelos peculiares, mas sábios caminhos de Deus, incluindo a maneira única como os pais lidam com seus filhos.

Disponível em: Revista Ave Maria, ano 116 - agosto 2014, pg 58 e 60.

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